Criado no início do século 20, o periscópio é um dispositivo óptico cujos modelos e aplicações assumiram muitas formas ao longo do tempo, mas sua função primordial é inequívoca: ampliar o alcance da visão humana. No entanto, quando foi sugerido como nome para a galeria pelo artista e professor Marcelo Drummond a nosso convite, essa conotação não estava clara: a ideia surgiu de maneira mais espontânea. Buscando por um termo singular, que transmitisse a ideia de um projeto coletivo, Marcelo, de repente, nos interpelou: “Acho que o nome da galeria deveria ser algo meio estranho mesmo… como periscópio!”.
Naquele momento, a referência que ocorreu a Marcelo foi a obra homônima de Guto Lacaz, apresentada em 1994 na exposição Arte/cidade 2, em São Paulo. Essa intervenção urbana de amplas proporções trazia um instrumento gigante acoplado à fachada de um prédio, que permitia aos transeuntes verem, da rua, a exposição no último andar do edifício e, em contrapartida, possibilitava ao visitante do edifício observar o que se passava na calçada.
A princípio a sugestão encontrou alguma resistência, mas aos poucos a força da provocação desse nome pouco usual e as possibilidades de sua carga semântica passaram a produzir estímulos positivos. Logo decidimos batizar assim o projeto que vinha se costurando havia muitos anos e que, enfim, estava pronto para ganhar o mundo.
Muito antes, em meados da década de 1990, Rodrigo tinha escutado o artista Amilcar de Castro (1920-2002) falar sobre um sonho: criar uma galeria para expor jovens artistas, que funcionasse por meandros menos habituais. A palavra de ordem era esperança. Isso se tornou a inspiração para o seu projeto de graduação e foi o que lançou o primeiro grão que anos mais tarde daria em semeadura. Esse pensamento original atravessou diferentes fases até sua maturação, e foi a partir da troca entre nós três que ele ganhou o tônus final.
O objetivo, por um lado, era energizar o circuito mineiro e nacional, oferecendo palco para as questões conceituais, procedimentais e políticas urgentes, de difícil vazão à época. Por outro, o propósito era experimentar novas maneiras de desenvolver diálogos e parcerias com os agentes da arte, e de ativar, receber e se relacionar com o público. Nesse caminho cada um trouxe suas vivências, conhecimentos técnicos e, sobretudo, vontade de fazer e ilimitada dedicação aos propósitos e ao projeto.
Então, no fim de 2015, uma época em que o país já mergulhava num período conturbado e de profundas dificuldades, resolvemos abrir a galeria. Naquele contexto de retração econômica e enormes incertezas, estávamos cientes da complexidade do desafio, mas igualmente confiantes. Afinal, não havia um plano b: era este o projeto que nossas vidas e a cidade pediam, e estávamos dispostos a levá-lo às últimas circunstâncias.
A nossa primeira sede foi uma casa tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal de Belo Horizonte, localizada na avenida Álvares Cabral, no centro – lugar permeado por grandes instituições e recorte fundamental para a difusão cultural na cidade. Foi necessário reformar com muito esmero o imóvel, e o excesso de trabalho e a onerosidade por vezes tornaram-se um grande desafio. No entanto, a localização, a porosidade em relação ao público e o charme do casarão sempre compensaram quaisquer obstáculos.
Entre 2015 e 2020, foram realizadas 28 mostras num espaço diferente do tradicional “cubo branco”. O que apresentaremos neste livro é um registro desses nossos anos iniciais. De modo arrojado e com o necessário atrevimento, muito pôde ser experimentado, apesar das extremas dificuldades. Olhando em retrospectiva para cada projeto expositivo, nota-se entre eles um fio condutor. É algo que não se consegue traduzir em palavras, mas sabemos que envolve a prática conduzida pelo olhar sensível e a força da criação dirigida para as emergências contemporâneas.
Nesta revisão dos primeiros cinco anos de nossa história, há apenas uma certeza: não nos furtamos da batalha. Nós nos aproximamos de artistas e de outros pensadores nos quais acreditamos, e trouxemos à vida os projetos que julgamos necessários. Com a solidez, fruto da experiência adquirida na metade da última década, e tomando fôlego para encarar novos ciclos, nosso desejo é seguir contribuindo para uma história da arte brasileira mais diversa e mais vibrante, capaz de ampliar a visão e a atuação humana. Capaz de nos fazer enxergar e ir além.